quinta-feira, 22 de julho de 2010

Rivotril

Ela era importante. Era amiga. Era os pilares do meu ser. Era aquela que eu contava tudo. Nos momentos mais inéditos e importantes ela se encontrava sempre ao meu lado. Até quando eu operei a bosta de vesícula ela foi a única a me visitar. Estava sempre comigo desde que eu me entendo como gente. Nossa amizade superava os laços de sangue. Já estávamos inseridas uma na família da outra.
Por que o nosso castelo acabou? Será que ele sempre foi de areia e só a gente que não percebeu? Bastou uma simples onda para desmanchar a nossa fantasia. Uma vez destruído não há como voltar a ser como antes...nada é igual. Foi-se a onda, a areia do castelo e restou somente aquela criança sozinha na praia com os seus brinquedos. Desamparada, minha realidade caiu como as folhas no outono, inevitável. Ainda sinto a vontade de penetrar no mar, que levou tudo o que eu tinha, e nunca mais voltar a terras firmes. O choque foi tão profundo que hoje eu não durmo mais. Não durmo porque os sonhos já não são como os de antigamente. São sonhos escuros, que me fazem recordar o momento da onda abalando o nosso castelo.
Para você, querida, os sonhos devem ser maravilhosos, pois em sua presença está o mar. Contudo, para mim restou apenas os brinquedos, que nada exprimem. São muitos, porém não transmitem nenhum sentimento. São duros e apresentam sempre a mesma expressão: a de felicidade momentânea. Nenhum me cede segurança de algo concreto.
Pois é, você é a culpada por roubar da minha alma a ilusão de eternidade. Cai nas garras do real sórdido para nunca mais acordar, afinal dormir já não faz parte do meu cotidiano.
Não satisfeita com a minha sorte, você me deixou um belo presente, o rivotril. Agradeço pelo regalo, porque sem ele com certeza não estaria aqui jorrando essa confusão de confissões. Ele me controlou. Melhor, tornou-se o meu vicio; meu melhor amigo. É com ele que eu compartilho o meu ódio, minha raiva, meus desejos, minhas fantasias, meus brinquedos... Isto é, tudo que você abandonou na praia comigo. Não o troco por nada nesse mundo, nem mesmo por você ou pela onda. Há muitas outras. Vivo com essas outras, só não demonstro satisfação de estar com elas. Por quê? Simples, não acredito mais em fidelidade. Acredito apenas no poder do rivotril.